O filósofo e psicanalista francês Félix Guattari, em um de seus grandes trabalhos intelectuais, aborda algo muito interessante sobre o sistema econômico no planeta: o sistema capitalista. Conforme ele, dentro desse sistema econômico e social, há uma produção da própria subjetividade nos indivíduos, realizada pelo que ele chama de CMI (Capitalismo Mundial Integrado).
A produção da subjetividade nas pessoas, segundo ele, é tão poderosa que desconhece a essência da própria existência, como a morte, a dor, a solidão ou o silêncio. É tão forte que torna sentimentos como a raiva algo surpreendente e escandaloso. O mesmo acontece com uma doença como o câncer, que causa perplexidade.
A velhice, por exemplo, se torna algo quase inaceitável, resultando na criação de lugares próprios para eles, nesse caso os asilos, para isolá-los da sociedade. Mas, por sua vez, também é impressionante a aceitabilidade desta situação por parte dos idosos. Eles simplesmente aceitam e tornam isso natural.
O Capitalismo Mundial Integrado é forte ao ponto de atingir rapidamente a criança ao primeiro contato que ela tem com o domínio da linguagem. No momento que inicia a construção de sua própria subjetividade, buscando organizar seu mundo através das relações com outras crianças e criando sua resistência molecular, se depara com um verdadeiro bombardeio de produção subjetiva do CMI, através da televisão, rádio, jornais, internet e da própria família, e também, é claro, da escola.
Guattari trabalha com a solução de buscar uma educação alternativa bem trabalhada com a criança buscando escapar dessa produção de subjetividade, colocando que é possível subverter essa posição. As pessoas que experimentaram, com seriedade, outros métodos educacionais, sabem muito bem que se pode desmontar essa mecânica, a qual ele chama de infernal. Com outra abordagem, toda essa riqueza de sensibilidade e expressão própria da criança pode ser relativamente preservada.
Em outras palavras, Guattari escreve que a criança, ao se deparar com uma subjetividade forjada pelo capitalismo, sob as mais diversas formas, perde muito de sua própria subjetividade. Mas, de uma forma bem trabalhada, é possível anular isso, senão totalmente, pelo menos em partes. Produzir sua subjetividade tendo na bagagem todo o conhecimento que lhe foi possível adquirir com sua experiência de vida a torna capaz de se manifestar no ambiente e ter a sua visão de mundo e a sua interpretação das ações que o cercam. Essa produção subjetiva do CMI julgará se minha manifestação se enquadra ou não nos moldes dominantes. Se não se enquadrar, ela será considerada escandalosa e anormal e será esfacelada.
Guattari comenta sobre as rádios livres na França, num momento que elas inexistiam no Brasil, ou se existiam em número reduzido. Agora, num momento em que chegamos quase na metade do século XXI, essas emissoras estão espalhadas pelo Brasil. Mas o que podemos perceber é que muitas delas, talvez a maioria, já estão enquadradas na produção de subjetividade capitalística, reproduzindo o modelo que está posto e tornando-se o reflexo de uma sociedade que sustenta o capitalismo. Diga-se de passagem, todos nós sustentamos o capitalismo. Ninguém e nada está fora dele nesta primeira metade do século XXI.
Temos hoje no Brasil as Rádios Comunitárias. Algumas delas reproduzem a subjetividade de certas tribos como Punks, Rappers, e mesmo de alguma torcida organizada e muitas outras. De certo modo, Guattari enfatiza que é salutar esses movimentos, mesmo sendo eles usuários de produtos produzidos pelo capitalismo, pois em certa medida se tornam um contraponto a certos costumes, conceitos e estereótipos. Isso quer dizer que mesmo aqueles que podem dizer que não sustentam o capitalismo, estão equivocados, pois o sustentam muito bem. Tudo vira mercadoria. Isso aconteceu até com o movimento da contracultura dos anos 1960 encabeçada pelo movimento Hippie. O capitalismo acabou absorvendo essas tendências e fez produtos como camisetas e outros objetos para os hippies.
Por hoje era isso. Um grande abraço a você, leitor e leitora, e até a próxima.
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